Construir realidades

Comprei cem quilos do melhor solo já com adubo misturado. O jardim traseiro de minha casa é pequeno mas suficiente para a empreitada. Escavei um buraco para receber a terra. FIquei com um planalto mesmo à entrada da cozinha. Os vizinhos tão curiosos com surpreendiam largavam-me de vez em quando umas piadas de enrada a ver se tinham acesso a mais informação sobre o que se estava por ali a suceder. Quando tudo estava preparado, despi-me, lavei-me, tirei os pelos do corpo por inteiro e entrei no casulo que tinha feito por baixo da superfície. Aninhada, fiquei ali, sem vontade de mais nada. Em sonhos encontrei pessoas que nunca chegarei a conhecer (teria que viajar no tempo) e com quem passei longas horas em diálogos sobre tudo e nada. Mais tarde era urso e depois fui cobra. Em forma de animal conheci outros com quem troquei bens, que para uns eram alimentos e para outros pedaços inúteis de material orgânico.
Acordei, o comprimento longo dos cabelos acusavam o tempo da ausência, levantei-me e fui para casa tomar banho.

Paralisado

A meio de um jantar entre amigos, num restaurante nosso conhecido, ausentei-me por um instante para retocar o baton. Entrei nos lavabos das senhoras. Para minha surpresa vi que colocaram o espelho do lavatório em frente a outro espelho.

A minha imagem repetia-se infinitamente. Isto causou em mim tamanha estranheza que tentei perceber melhor para que servia este truque, já tão antigo e básico. Tentei ver-me de costa, fiz pose. Depois toquei-me na cara, no ombro, na nuca - casa gesto repetia-se muitas vezes, uma loucura. Então falei baixinho e o som também se repetia como um eco. Fiquei horas analisando o fenómeno.
Eu sofro de eco. Como sair disto? - perguntei-me.

Fome

Encontraram-nos com a pele esfregada de gordura ensanguentada, com restos de osso humanos à nossa volta, magros e enlouquecidos, numa cave esquecida no centro da cidade. A primeira pergunta que nos fizeram foi se tínhamos fome. Ridículo, foi ridículo! O meu amigo disse: “ a minha fome era outra…não era de justiça, mas fome de reconciliação!”. E eu seguiu: “sim, sim, isolamo-nos para poder voltar a sentir humanidade e ter o desejo do convívio…mas o nosso isolamento criou em nós expectativas muito altas e acabamos por viver sofregamente na ansiedade de nos reunirmos; no dia em que nos encontraram já só conhecíamos a reconciliação pela carne e comemos um padre da aldeia mais próxima por amor”

Mapa de um mundo singular

Entrei dentro de uma livraria num país estrangeiro onde não se falava em código que eu podesse entender. Olhei em volta, primeiro de uma forma geral - era caótico o lugar, com os livros organizados de formas muito estranhas . Procurei-lhe uma ordem para começar a minha pesquisa mas não encontrava nada semelhante a estantes. Adaptei-me à desordem e assim iniciei a procura de algum item que me agradarasse. A senhora que estava num canto sentada a ler entretanto levantou-se e dirigiu-se a mim. Tentei responder à sua conversa em inglês, francês e português e não tive sorte nenhuma. Ela parecia impaciente por uma resposta e repetia a mesma frase. Eu sorri. Ela encolheu os ombros. Foi se sentar novamente. Voltei para a minha tarefa. Caminhar, neste lugar, era por vezes difícil pois as pilhas de livros no chão criavam corredores estreitos. Perdi-me e achei-me em pequenas clareiras, entre livros dos quais pouco mais via que as lombadas. Encontrei a certa altura outra sala e outra porta que não eram as mesmas por onde entrei. Estranhamente a senhora estava num canto a ler. Levantou a cabeça e sorriu-me e eu retribuí o sorriso. Fiquei curiosa e dediquei-me à exploração daquele aparente caos. Olhando para as capas, encontrava um livro que me agrada de vez em quando e seguia-o, olhava a lombada, tirava da pilha, quando isso era possível, via o seu interior e voltava a pôr no sítio. Encontrava outro, seguia-o. Encontrei numa terceira sala um senhor, também ele muito concentrado na sua pesquisa. Meio perdido e sem voltade de encontrar a saída, fui encontrando salas e salas, sempre com a mesma senhora no canto a ler (pergunto-me se a sua presença seria real, se não seria uma ilusão ou se haveria mesmo várias senhoras muito parecidas). Fiquei com fome e portanto senti que estava na altura de ir embora. Encontrei mais uma sala, com a mesma senhora e uma porta. Despedi-me da simpática senhora e encaminhei o meu andar na direcção d aporta. Ela olhou-me muito preplexa. levantou-se, respondeu-me com um tom preocupado. Obviamente não percebi. Abri a porta à mesma. Dava para outra sala cheia de mapas. Ja a ficar nervosa entrei na sala dos mapas, também ela caotica, cheia de mapas, cheia de clareiras entre osmapas, cheia de salas ligadas entre si por mapas. Abri uma porta de uma sala. Encontrei cadernos com desenhos e textos. Depois, através de outra porta para os postais e cartas. A senhora continuava lá, sempre no mesmo sítio. Exausta, sem alternativa, sentei-me no chão, em frente à sua cadeira. Ela sorriu. Consentiu. De dentro de um bolso tirou um pedaço de papel que abriu. Era uma folha enorme e muito fina. No papel, com um pedaço de carvão muito fino, desenhou durante horas e surpreendentemente adivinhei-lhe o conteúdo dos desenhos e do queme dizia sem lhe perceber as palavras ou os signos.

Jamais

Jamais é um apalavra que se diz com a voz e que se desacredita quando murmurada ao coração.
Um dia, para experimentar o poder desta palavra disse-a bem alto num grande supermercado. O segurança veio saber qual era a ocorrência e encontrou-me alíviada por ter dito o que disse. Pelo braço, mas educadamente, pôs-me fora dos limites da área restrita ás compras. Não voltei lá mais. À saída, depois do Sr. segurança me largar o braço, tinha o comité das boas vindas. Uma gente muito simpática que me pagaram uma bola de berlim e um café ali mesmo ao lado. Eram conspiradores e, pelo que me contaram, vinham ali todos os dias dizer para eles próprios jamais. Diziam baixinho mas no geral, sempre à espera do jamais de algum particular. Apareci eu e agora estava dito.
Agradeci o cafezinho e ovm-me embora. Como disse não voltei lá mas acho que eles também não porque agora já não há razão para o fazer. Mas nunca se sabe, há gente que se afeiçoa as coisas insignificantes.

Postais amorosos

Coleccionava postais, qualquer postal, com palavras de amor de uma mulher para um homem. Corria as lojas e feiras de coleccionadores. À noite lia-os várias vezes e imaginava-se em cada uma das mulheres e pensava no seu amado que era cada um dos homens a quem os postais eram dirigidos. Teve amantes em variados cantos do mundo, em variadas cidades, e mandou notícias de muitas outras cidades, de muitos outros cantos. Foi uma época de felicidade plena no seu pequeno quarto alugado de uma pequena cidade, na sua vida solitária de mulher madura e sempre solteira. O acaso mudou-lhe o destino quando encontrou vários postais de uma mulher para o seu amante na prisão. Apaixonara-se pelas palavras e não pelo mundo imaginário que a partir do postal conseguira sempre evocar. As palavras dispunham-se de uma forma que nunca tinha lido antes. A quantidade de postais que encontrou era imensa e as suas datas recentes. Resolveu procurar a pessoa que os escrevia. Esse momento da resolução foi fundamental para quebrar a felicidade na solidão. Encontrou a escritora dos postais e a aprtir desse encontro resultou um romance que lhe levou a vida. A escritora era um abismo.

Anotações

Todos os dias, à noite, me dedico a escrever três linhas sobre um pensamento que me surgiu durante o dia. Iniciei esta tarefa hà muitos anos e entretanto esqueci-lhe a razão. No princípio era difícil pois hà dias em que não se pensa em coisas interessantes para contar por escrito. No entanto, com o tempo, pensei cada vez mais nos meus próprios pensamentos e como estes se interligavam e como de uma coisa aparentemente pequena e insignificante conseguia construir um mundo com a imaginação. Gradualmente acontecia ao longo do dia ligar um primeiro pensamento a outros que se seguiam de coisas que aconteciam e coisas de que me lembrava da minha história, das minhas leituras e das conversas que tinha com os outros ou que ouvia os outros terem entre eles. Passou a ser cada vez mais fácil. A minha consciência do mundo alterou-se. Com os anos, ganhei uma habilidade intriseca de ver o presente, o passado e futuro com uma só coisa indistinta. Tudo se encontrava numa relação de dependência. Foi num dia de frio em que tinha ficado em casa constipada que descobri o dia e a condição da minha morte. Fiquei fascinada. Este seria o teste final das minhas capacidades. Andei meses ansiosa e deixei de ter medo de morrer. Sabia que fataria muito tempo e que seria de uma curiosa mas ao mesmo tempo gloriosa. Não podia anteceder o evento, pois seria apenas um acontecimento numa cadeia de outros aocntecimentos, todos interdependentes. Aos poucos deixei de ouvir conversas e perceber o mundo, afinal o teste final era muito mais fascinante. De forma que, para minha surpresa, investigo todos os passos para confirmar se concretizo realmente se concretiza aquele momento.

Casa vinte

A casa vinte, localizada no topo das montanhas azuis, é composto por uma só divisão comum multifuncional para dormir e conviverem quatro pessoas. Estavamos lá oito ontem à noite. O temporal dos últimos dias abrandou a subida e alguns tveram que prenoitar na mesma casa do dia anterior. Ninguém se conhecia, uma condição útil neste género de trabalho e fortemente recomendada pela companhia dados os exemplos resultantes do roubo de idêntidades. A missão de cada um era a mesma: verificar os acessos ao segundo nível do elevador lunar. Durante o jantar conversamos sobre trabalho entre outros assuntos seguros e em que se consegue esconder ao máximo a idêntidade. Entretanto, enquanto decorria o jantar, outro hábito do trabalho solitário, entre olhares, procura-se uma troca com um olhar mais íntimo, procura-se com quem passar a noite. Se não acontece encontrar esse olhar, então escolhe-se um dos espaços mais centrais para fcar mais próximo da fonte de aquecimento.
Ontem encontrei um olhar que me observava com curiosidade. Era um homem da mesma idade, aparentemente, e de maneiras graciosas. Escolhemos-nos e ficamos num espaço mesmo por baixo da área da entrada, no nível inferior. Desafortunadamente ele falava enquanto sonhava. Devia ser novo no serviço, devia dormir sozinho ou então nunca encontrou ninguém com insónias. O facto é que soube assim que tinha família, mulher e filhos, que morava numa área com boa temperatura e à beira mar. Afortunadamente para mim descobrir o resto da sua idêntidade a partir destes dados foi fácil. Adaptá-la foi um pouco mais demorado, levou-me a maior pare do tempo que tinha para dirmir. No entanto valeu a pena.
De manhã, quando saí da casa vinte não fiz o caminho até à próxima plataforma, ao contrário, encaminhei-me para a base onde me apresentarei mais logo nos escritórios centrais da empresa e onde serei bem recebida devido à minha idêntidade de regulador de ambiente. Irei apresentar a minha carta de rescição do contracto. Receberei a indeminização. Ele infelizmente vai ficar preso na casa vinte mais dois dias até que o próximo grupo chegue. Nessa altura estarei já no elevador, com escala na lua, a caminho de um qualquer planeta da coligação interestrelar.

Achas isto normal?

Pela primeira vez levei o meu gato a passear, fomos juntos ao café. Comprei-lhe um copo de leite e eu tomei um café. Um casal na mesa ao lado olhou para nós como se fossemos um casal muito bizarro. Eramos ambos normalissimos exemplos das nossas raças e dentro da actual situação social social também muito normais, diria até aborrecidos de tanta normalidade. Tomamos as nossas bebidas, ele pagou e saímos.

Tics

1. Usar roupa clara, branca de preferência e nunca preta.
2. Estar atenta às pernas pois sobem com agilidade.
3. Armazenam-se temporariamente no exterior da roupa, na área das axilas, até encontrarem uma oportunidade em que não há movimento para se instalarem no seu lugar definitivo. É propícia a noite, quando está tudo imível e em silêncio para se moverem.

Estas criaturas não atacam e são aliás inofensivas. Constróem as suas habitações na pele das axilas humanas por ser um local húmido e quente e onde podem se esconder entre os pelos. As suas habitações podem ser confundidas com sinais da pele. Não se alimentam nem reproduzem, esta fase em que procuram abrigo no conforto humano é posterior à época produtiva do animal e faz parte da fase final da sua vida.
Agrada-lhes o som de música e também perfumes, especialmente com essências de rosas. Vários estudos confirmam que quem alojou um destes seres por mais de quinze meses mantém-se imune a constipações durante um terço da vida adulta.

Multiplicação - unificação

Os amigos saíram e ficamos as duas. eramos muito parecidas mas não eramos irmãs. Foi por nos confundirem que nos aproximamos e nos fizemos ainda mais iguais. Hoje foi a festa de celebração da nossa união, há umas horas fizemos os votos de sermos, em cada momento, em cada dia das nossas vidas, cada vez mais, uma só pessoa. Ser uma pessoa com a força que tem quando desdobrado em duas partes, dois corpos. O nosso plano secreto entra em acção neste momento. Damos início às preparações: amanhã mudamos-nos para um novo país com uma só idêntidade. Aí, no novo país, conhecerão apenas um corpo, uma idêntidade. Caseremos, teremos filhos com um só homem, teremos um só emprego.

O gato cinzento

Ás quatro da manhã estava acordada e pronta, com o pequeno almoço tomado e fora de casa. A noite toda não houve como adormecer, estranhamente algo parecia me chamar da janela. Entrei na floresta densa que se impõe, uns metros em frente à minha porta, e caminhei, guiada pela luz da manhã que era ainda cinzento-azulado. Ao meu encontro veio um barulho suave de folhagem no chão. Não sentia perigo algum (também não sou de me assustar com qualquer coisa) mas por precaução parei, atenta ao pisar das folhas. Aproximou-se de mim aos poucos, rente ao chão uma forma cinza azulada, quase da cor do céu. Era um gato gordinho, muito bonito que ficou de frente para mim. Não seria de todo estranho esta situação se não fosse o facto de o gato não se mexer. Ficamos assim como que hipnotizados um a olhar para o outro como se até conseguissemos realmente comunicar. Verdade que ali se passou alguma coisa, porque o facto é que virei costas e voltei para casa, dei umas sobras de arroz com couve e cenoura ao gato, despi-me e fui me deitar novamente.
Adormeci.
Estava de noite quando voltei a acordar. Não encontrei o relógio nem mais nada que me disesse as horas e como não era importante sentei-me com um chá à minha frente. Fiz o tempo andar para trás mentalmente e recordei-me de me levantar e ter trazido um gato para casa. Procurei-o mas em lado nenhum consegui encontrar. Por alguma razão estava ainda cansada e por isso voltei a adormecer. Sonhei com o mesmo gato cinzento, enorme e muito bonito. No meu sonho eu era gato o gato e eu ambos eramos o mesmo.
Acordei.
Ela ainda dormia enroscada nos cobertores. Eu acordei, como sempre, entre as dobras dos seus joelhos. Estiquei-me, lambi-me para retirar os pelos do cobertor e abrilhantar o pelo. A porta ficou aberta e eu então saí. Fora está um luar tão lindo. Como gostaria de partilhar com ela este luar. Se for forte o meu desejo conseguirei que acorde e venha ter comigo à floresta onde podemos estar neste meu mundo felino de caçar e correr ao luar.

Pétalas

A certa altura da noite sai até ao jardim e para grande surpresa minha encontrei um canteiro de rosas todas a chorar. Agachei-me para lhes perguntar o que se passara, porque estavam tão tristes. Responderam-me que um cão lhes tinha urinado em cima. De facto tinha mesmo acabado de ver um cão a correr na direcção contraria à minha. Perguntei-lhe como podia ajudá-las. Responderam-me que seria agradável se eu as limpasse com um pedaço de algodão as pétalas e os espinhos. Fiz de bom grado a tarefa e continuei a caminhar.

Vigia

Calhou-me ficar de vigia no turno da noite.

Os vigias já não tinham direito a abrigo como sempre tiveram. Por isso ficavam muito cansados por caminharem quilómetros sem sítio onde se sentarem. Em principio não acontecia nada, mas como havia precedentes foi decretado que estaria sempre alguém de vigia.

Eu preferia que acontecesse alguma coisa. Canso-me menos e sinto-me mais gratificado. Os meus colegas lêem, mas eu não consigo distrair-me. Sou muito sensível e não foi ninguém que o disse – sinto-o em comparação aos meus colegas. Devo-me ter borrado mais vezes do que eles todos juntos.

Comecei então a pensar de onde vinha o medo. Se soubesse o que o fazia despertar tentaria evitá-lo. Revi o espaço todo, às voltas, sempre com o mesmo pensamento.

No final decidi provocar em mim o que me desse mais medo para me por à prova.
Assim o fiz. No entanto, o resultado não foi positivo, os meus esforços resultaram na minha própria asfixia.

Partes e o todo

Um dia apaixonei-me por um nariz. Uma coisa sôfrega a minha pois mais nada me preenchia. A dona de semelhante beleza era uma assistente da loja de roupa interior perto do meu escritório. A quantidade de roupa interior que escolhi, experimentei e que comprei é demais embaraçosa para dizer a seja lá quem for. Infelizmente um nariz não é a coisa mais fácil de comprar ou roubar ao seu dono, também, não se rouba assim um nariz. Tinha medo de não conseguir jamais ver nada de belo para além dele. Foi então que me ocorreu ir ao psicólogo porque isto estava a passar dos limites do que é estipulado socialmente por um estado saudável. Não resolveu nada pois continuava a dar comigo escondida dentro do carro à espera que a dona do nariz viesse abrir a loja e à noite esperava-a sair e fechar a loja também. não sei como me conseguia enganar tanto.
Sem esperanças declarei-lhe um dia a minha fascinação. Ela declara-me o seu fascínio por ser seguida. Nuna mais nos voltamos a falar.

Entre antes e a seguir

Ao caír da tarde acordei num jardim que me era estranho e que não era o mesmo lugar onde adormeci. Havia aqui um silêncio harmonioso e uma côr viva e gloriosa nas flores e plantas. Levantei-me e não encontrando ninguém chorei estranhamente demasiadas lágrimas que eram imediatamente absorvidas pela terra, como que sedenta da minha tristeza. As plantas cresceram aos meus olhos à minha volta e senti que me acalmavam. Acalmei e fechei os olhos para apreciar agora o jardim e a minha presença. Voltei de novo à minha sala assim que abri os olhos. Estava de volta ao meu quotidiano.

Infinito traduzido

Dois amigos foram pescar no mar alto. Queriam passar tempo juntos para se concentrarem, cada um em si e no outro e também conversar a vida do quotidiano. Pararam o barco onde acharam ser o lugar certo para apanhar peixe grande.
Duas horas passaram e nem sombra ou sinal de peixe, já a conversa era profunda e abundante. Quatro horas passaram até sentirem o primeiro movimento de algo debaixo de água. Os ânimos estavam postos no momento. O que mordeu era forte e pesado. Estavam radiantes. Chegou a hora de puxar o fio da cana. Lutaram, lutaram e lutaram até conseguir içar o animal. Ou aliás, a ânfura, pois era o que vinha preso ao fio. Trouxeram a ânfura, que era muito velha e cheia de coisas animais e vegetais coladas e que a deformavam, para o chão do barco. Estava tapada a entrada para o seu interior. Sem hesitar abriram a tampa. De dentro saíu uma figura semi-transparente que os cumprimentou numa linguagem arcaica mas que entenderam, ainda que com algum esforço. Agradecido por o terem libertado, a figura prometeu realizar todo e qualquer desejo, dito ou pensado, que podesse ser efectuado de imediato, pois dentro de momentos seria a sua essência alterada pela brisa do mar e desapareceria para toda a eternidade. Esta era a forma como voltaria ao elemento a que pertencia - o ar. Os dois amigos olharam um para o outro incrédulos, felizes por partilharem tantas coisas durante os anos que se conheciam, especialmente este momento, e por terem dado uma ajuda tão improvável quanto maravilhosa a uma entidade que se apresentava quase divina. Abraçaram-se. Sabiam sem o expressar em palavras que desejo estava concedido.

Em código

Um livro esquecido num armário cheio de livros era único e o seu dono não sabia. Esse mesmo livro era muito conhecido e era referenciado em outros livros, por muita gente em conferências formais e conversas de café. Havia muitas cópias e por isso era tão conhecido. quem tinha uma cópia sabia que tinha uma cópia mas quem tinha o origina tinha esquecido a sua existência.

Houve uma altura em que, enamorada por um bibliotecário que me ignorava e ainda por cima morava numa cidade distante, entrava em todas as bibliotecas que conhecia e, olhando para os livros, e aí sentia proximidade com o meu amado. Acabei por encontrar muitos livros que se repetiam muitas vezes, outros menos. Havia os livros raros que só de vez em quando se encontravam. Finalmente entrei nesta biblioteca e percebi que era única. Foi uma questão de tempo até encontrar o livro.

Li-o no seu original e como nada mais para mim restava neste mundo feito do código de que são feitos os animais, fiz as malas e mudei-me para lá, para o mundo do código de que é feito o livro.