Constelações

Na região nortenha de um país europeu perdurava a estranha tradição de celebrar a matança do coelho por altura do Outono. Oficialmente seria uma comemoração de uma santa canonizada no séc. XVIII, mas mais não era do que a actualização de um ritual pagão anterior às conquistas romanas daquele território. A população das pequenas vilas saía de casa a meio da tarde e caminhava sem descanso até de madrugada levando um bolo nas costas. Cruzavam rios e ribeiros, subiam um grande monte e voltavam a descê-lo, até chegarem por fim a um descampado, praticamente sem vegetação. Aí encontravam-se muitas pedras, muito diversas em formas e cores, que serviam de bancos aos viajantes. Mal estes chegavam ao seu destino sentavam-se, descalçavam as botas, retiravam o bolo do saco e esperavam que alguém os servisse com um pedaço de porco em substituição do coelho que era naquela altura do ano escasso.

A fama desta romaria era contudo secreta e comunicada entre as gerações no espaço limitado das quatro paredes. O estar ali, com a natureza, tão longe da civilização, sentir o sabor da carne mal cozida e sem tempero (alguns chegavam a comê-la crua) era considerado selvático. E era. Depois de saciados da fome mastigavam ervas e bebiam licores que os faziam viver o dia e a noite sem distinção esquecendo qualquer obstáculo formal aos seus impulsos mais primários. Regressavam a casa dois dias depois cansados e ainda eufóricos.