Lágrima

No palco a actuação de ventriloquismo ultrapassa as expectativas do público. A actuação tinha sido péssima - tão má quanto o dialogo privado de um homem com o seu cão de estimação - mas a sua insistência em ficar sentado no mesmo sítio e prolongar a conversa com o boneco desencoraja o público a sair. Ficam todos num impasse constrangedor. Expectantes com o que se seguirá.
O homem deita de um olho só uma lágrima cristalina que reflecte mil cores pela sala e inclina-se sobre o boneco, quase tocando-o com o nariz, e diz-lhe que está esgotado e que talvez fosse altura de se separarem. Ele bem sabia que não seria capaz de ser outra coisa senão ventríloquo e animar com palavras o inanimado, mas que agora precisava de ajuda, de alguém que o cuidasse, o animasse, e não o oposto. O publico limpava o nariz com vontade, estavam as primeiras filas num pranto ao verem a lágrima deslizar pela cara do homem.
Até que o boneco falou, pela primeira vez, e disse - não tenho palavras.