PAPOILA

Uma flor vermelha cometera suicídio colocando-se transversalmente debaixo da roda de um camião. Todas as flores que a conheciam choraram o infeliz acontecimento. Na data marcada para o funeral, a flor defunta ia vestida de branco por cima de vermelho e todas as outras iam de preto.

Na entrada do cemitério, com todo o cortejo atrás, ouviu-se uma voz que disse: “plantas não passem esses portões, pois não me parece adequado que prestem qualquer tipo de homenagem a esta planta”.

As flores em conjunto responderam: “A papoila era um ser frágil, não tivemos culpa do que aconteceu”. A mesma voz respondeu: “Encostai-vos a esses portões e não penseis sequer em atravessa-los”.

Todas as flores se moldaram às grades e aos poucos foram-se lembrando da relação conflituosa que mantinham com a papoila. O tempo pôs-se frio, mas elas mantiveram-se em silêncio e em contemplação. Pensavam, cada uma para si mesma, “terei sido eu?”.

Com o passar do tempo - já a papoila tinha sido enterrada - chegou o frio e com ele todas as flores ficaram azuis e foram-se tornando trepadeiras. Espalharam-se inclusive onde houvesse grades.

A forma que arranjaram em conjunto para se livrarem do mal que fizeram foi melhorando o seu potencial alucinatório.