Ruído

Na hora da despedida o grande ditador organizou uma excursão às montanhas mais altas do seu país.
Estava a morrer enfermo do seu próprio veneno que tinha arrebentado no fígado e que seguia agora o curso da circulação – não duraria mais que uns dias. Era simplesmente um ser confuso, intuitivo por natureza, com boas qualidades e ao mesmo tempo com certezas diabólicas sem qualquer fundamento lógico. Sendo que as últimas imperaram durante a sua governação. Assim juntava perto de si uma comitiva heterogénia: loucos e imbecis, desesperados por seguir alguém com um forte carácter e alguns sábios com lucidez e ansiedade para estudarem o fenómeno desta figura. Chegados às montanhas o bando orientado pela figura do ditador, dirige-se às altas quedas de água que provocam um ruído ensurdecedor. Aí, o ditador discursa tendo como temas principais a ideologia politica da sua governação, os seus sentimentos mais básicos como o medo da morte, as suas mais inconfessáveis paixões por homens e mulheres, descreve depois os seus inimigos um a um, responde a provocações antigas, prevê o futuro e, por fim, ri-se – o que começou gradualmente por ser um sorriso ensaiado desenvolveu-se num ataque de gargalhadas e soluços e terminou com um suspiro.
Ele saberia certamente que nenhuma destas palavras estava a ser realmente ouvida, apenas imaginada na cabeça de cada um. No duelo final com a natureza esta tinha-lhe ganho.