O Clinique reinventado

O desperdício de comida dos restaurantes de luxo, extremamente caros portanto, é uma preocupação séria para os vizinhos das imediações. O que não é preservavel até ao dia seguinte (quase tudo), depois da hora de fechado, fica embalado em caixas especiais, deixado no exterior, até à passagem dos lixeiros. Muitas pessoas sabem ali estar os restos das iguarias mais deliciosas que possivelmente encontrarão. As visitas a estes contentores especiais são habituais para a classe pós-média, ou seja, para os que um dia tiveram uma situação económica razoável e estável com aspirações a alcançar sempre mais na vida. Vejamos, nem as aspirações nem o sentido pelo que é bom, e portanto caro, foram perdidas, a estabilidade e poder económico é que sim. Estes seriam sempre restaurantes interditos a esta classe mas nna sua nova situação, em que tudo é permitido, a porta das traseiras gradualmente se apresenta como entrada para um jardim das delícias em segunda mão. É este sentido de já usado, de segunda mão, segunda oportunidade até, que protege a classe pós-média da depressão colectiva e a motiva a avançar na vida de forma criativa. A seguir à hora de fecho, nas traseiras, por exemplo, do Clinique em Londres, os pacotes e sacos abrem-se e o banquete começa, muito silencioso e composto de pessoas que se querem a todo o custo anónimas entre si e para todos os demais. Aos vizinhos das redondezas preocupa este vulto negro colecivo que aparece, demora-se meia a uma hora e logo desaparece. Ao que parece, o murmurinho do movimento físico dos corpos na vasculhação, mastigação, entrada e saída bem como a energia colectiva que este encontro gera é causadora de uma instabilidade que afecta as boas vizinhanças destes bairros cosmopolitas.