Retorno

São vivas as recordações das férias desse verão de estranhas variações climáticas e em que encontrei uma velha tia que até então desconhecia.
Nesse ano resolvi fazer uma excepção na minha rotina de férias e em vez de conhecer mais uma nova cidade optei pelo género praia, sol e mar: fui para a costa.
Numa tarde demasiado quente, no bar do hotel, encontrei uma velha senhora, também ela fugitiva do calor, com quem iniciei uma conversa ocasional . A senhora era uma veraneante regular e muito querida de todos no hotel. À nossa primeira conversa sucederam-se várias outras, primeiro ocasionais e depois regulares. Gostavamos de passar o tempo juntas porque sentiamos grandes afinidades. Aos poucos abriamos-nos mutuamente a segredos e confissões. As nossas vidas pareciam estranhamente idênticas na sua história, tirando um ou outro pormenor, tal como estranhamente eram idênticas as marcas de nascença que tinha cada uma no lado de dentro do pé direito. Inacreditáveis coincidências, porém, acontecem a todo o momento. Foi no entanto um comentário sobre uma ocasional notícia de jornal que nos levou a suspeitar do parentesco. Concluimos mais tarde sermos tia e sobrinha, em outro grau que não o primeiro, mas contudo do mesmo sangue.
Choveu e houve tremendas tempestades muito ventosas nesse verão. Nesses dias de tempestade, impossibilitada de sair do quarto, atormentava-me o facto de não saber quanto da minha vida era eu que a construía à medida que a vivia e quanto dela estava já escrita na história biológica da família a que pertencia. Nesses dias, por entre o turbilhão de pensamentos e o cinzento da chuva, procurava a tia no seu quarto. Foram contudo tentativas sem sucesso pois nunca a conseguia encontrava. Quando os dias estavam de novo radiantes voltava também a minha boa disposição e lá voltava também a encontrar a tia no bar. Tudo voltava a ser de novo alegria de Verão.
Uma certa tarde, pressentindo a tempestade e conhecendo as tendências mais recentes do meu comportamento, fui ao quarto da tia. Ela parecia nervosa. Olhava-me como se conhecesse o plano que eu mal tinha tido tempo de esboçar. Sentei-me na sala adjacente ao seu quarto. O vento soprava mais forte e mais ruidoso a cada minuto e a escuridão instalou-se acompanhada pela chuva forte. Sem dar por ela adormeci e quando acordei a tia tinha desaparecido. Saí à sua procura e finalmente fui encontra-la em frente ao mar com uma outra senhora que lhe lia o futuro nas cartas. As cartas, pela voz da leitora diziam a sorte de duas pessoas. A sorte da tia era a mesma que a minha e ao mesmo tempo eu era outra pessoa que fazia só minha a mesma sorte que a dela.
Deito-me, de novo em férias, sob o mesmo sol, sento-me na mesma cadeira e penso nas cores que compõem as minhas vontades e desejos. Chego à conclusão que, no fim desse Verão já passado, despedimos-nos como quem nunca se chegou a conhecer.