Férias

Certo dia uma loja de penhores decidiu abrir as suas portas com um novo letreiro “penhoram-se vidas”. Até ao momento a loja continha os mais refinados objectos feitos em ouro (anéis, relógios, pulseiras, malinhas de comprimidos, canetas, suportes de batons, etc.), dispunha para venda também objectos feitos com pedras preciosas e cristais de imitação, algumas peças de vestuário em couro e pele de crocodilo e pouco mais. O letreiro que anunciava a mudança estava por cima de uma vitrina vazia.

Na manhã em que a loja abriu estava já um cliente à porta, vestido de preto da cabeça aos pés, com sapatos pontiagudos dramaticamente envernizados, chapéu fora de moda colocado de lado mal cabendo na cabeça e uma bengala esquisita na mão. Esperou que o dono desse por ele e ao mínimo gesto irrompeu com a mão para a frente para o cumprimentar. Apresentou-se dizendo que era um simples cangalheiro, mero agente dos desígnios divinos, com falência à vista uma vez que a saúde não era um problema nos dias que corriam. Mas o dinheiro era – disse peremptoriamente. E, desdobrando-se em explicações disse com honestidade que aquela ideia era tão boa que apenas lamentava não ter sido ele o primeiro a tê-la... Depois de uma breve pausa de silêncio forçado, adiantou-se então a fazer a proposta que constava do seguinte: ...e se as pessoas pudesse morrer por umas horas, dias ou anos para não terem gastos? Cancelando temporariamente a sua existência? Assim, como uma penhora...Claro que mal pudessem e recebessem, talvez, uma herança, podiam voltar ao que eram...Era como se fossem de férias para outro sítio.