FOME

Um deles disse - “Aqui há fome”
Os outros três, sentados no chão, encostados às paredes, fitavam embasbacados, como se fora um milagre, a fina linha de luz que entrava naquele exíguo compartimento. Há já alguns dias se tinham selado com tábuas e tijolos numa casa da montanha para discutirem assuntos que lhes pareciam serem de séria envergadura. A conferência fora organizada tendo em vista o entendimento entre todos nas suas diferenças ideológicas.
O resultado era aquele: tinham esgotados as palavras, a garganta e a saúde em geral provocando-lhes ardores no estômago e chagas no fígado; tinham-se debatido não só com a linguagem mas com o físico também. Enfim, tinham-se debilitado por todo aquele circo que os tinha transformado em menos humanos, transpondo mesmo a fronteira para o animal - estavam sujos e a pele já tinha crostas

Uma voz rouca respondeu – “...há fome e há cães lá fora, na entrada da porta, à espera de se saciarem. Haverá sempre fome e caras com fome.”
Um outro disse – “referes-te à história escrita da humanidade?”