Tortura

Lá fora decorria uma tempestade como não havia memória. Intercalavam-se raios e relâmpagos, caia chuva só muito espaçadamente quando não calhava de cair granizo, já o vento corria com força, vergastando os ramos das árvores sem pudor.

Enquanto isso, certos jovens mantiveram o hábito de se encontrarem, ao anoitecer, naquele salão de convívio - divisão principal de um importante ateneu, cujo estatuto de membro herdaram do pai ou do avô. Lacravam a divisão por dentro até ao amanhecer.

Formavam um circulo curioso de ociosos pachorrentos muito vocacionados para os prazeres da vida e pouco inclinados para o trabalho. Eram jovens, rapazes e raparigas, cheios de entusiasmo e de ideias mal paridas que estavam ali confortavelmente acomodados sabendo que o futuro estava sem qualquer dúvida assegurado.

Fumavam, bebiam licores, comiam docinhos secos e contavam piadas para se rirem até à exaustão. Quando se abeiravam desse ponto de açúcar chamado tédio sabiam, no seu íntimo, que estava perto o momento de porem à prova o modo de vida que tinham elegido.

Costumavam então imaginar como podiam converter o espaço onde estavam num antro de tortura medieval que descreviam, à vez, com detalhe e em voz alta a todos os outros convivas. Era nesta altura, que temendo o pior, um deles enlouquecia com angústia. Os restantes revigoravam-se com a falta de coragem do louco que tinha levado a brincadeira mais longe que os demais e assim a festa continuava e o tédio desaparecia.