Tudo com os seus limites

Uma artista de circo de idade avançada e a ver aproximar-se os dias da reforma, pensa em como será viver sem o sentimento de glória que lhe transmite os aplausos da platéia. Pouco ou nada pode fazer, afinal a idade não perdoa mesmo e as cirurgias além de impossiveis económicamente também não resolvem a velhice muscular que vai sentindo nestes últimos anos. Sente-se pertença do circo, foi aqui que viveu, foi com estas pessoas que aprendeu a ser gente.
Embrenhada nestes pensamentos, abre a porta e desce as escadas da roulote onde vive. Pousa os pés no chão. Uma lágrima lenta percorre a face e cai no chão, acentando a poeira da tarde ventosa de verão, mesmo ao lado do seu pé esquerdo. Apaga-a com terra seca vinda por debaixo do pé direito. Um gato chega-se perto e procura a lágrima com as patas da fente mas distrai-se, esquece-se da lágrima e entretém-se com um escaravelho que entretanto encontrou escondido debaixo do pó. O escaravelho escapa-se - abre as duas partes da carapaça e mostra dois pares de asas semi-transparentes azuis turquesa e voa. A artista segue a sua rota hipnotizada pela cor das asas até ao buraco de uma árvore que, de tão grande, a temperatura é muito fria perto do tronco. Uma vez chegado ao buraco da árvore, do escaravelho saem duas pernas como as que têm as gazelas só que em tamanho de escaravelho e as asas azuis, junto com a carapaça, caem como um casaco pesado. Agora mostra-se um corpo de homem jovem numa estatura de um palmo de altura medida pela mão de um adulto de estatura média. A caminhar entra pelo buraco para dentro da árvore. (sabe-se agora que este é um lugar mágico). Sem se atrever a entrar, sem se atrever a deixar o lugar e porque as possibilidades de um lugar mágico são infinitas e o seu é um corpo visívelmente finito, a artista tapa o buraco da árvore.