olho por olho, dente por dente

A Sra Y morava desde há uns meses numa casa de repouso. Com quase oitenta anos sabia ter vivido já todas as aventuras, todos os medos e todos os desejos que na sua vida teria tempo de imaginar e realizar. Todos menos um. Este seu desejo, ainda por realizar, tinha nascido de uma curiosidade infantil por saber do que é que as coisas são feitas e o que se esconde para além do que vemos.
Fraca pela idade, consciente do horror que causaria se revelasse a sua curiosidade a alguém, a Sra Y decide realizar o seu desejo sem a ajuda de ninguém e com o mínimo de esforço físico possível.
Esta manhã, à entrada da casa de repouso encontra-se a polícia para desvendar o caso de um olho roubado. A sra Y encontra-se num estado débil, mal fala e está acamada. Não pode prestar depoimentos sobre o olho que foi retirado à sua amiga do quarto ao lado na noite anterior.
Depois dos calmantes silenciarem a casa, ontem à noite, a Sra Y dirijou-se ao quarto ao lado. Cuidadosamente tapou o olho da sua amiga que ficaria intacto com um penso. O outro retirou-o com a ajuda da placa dentária. O olho foi literalmente arrancado à dentada. Foi deitar-se. Durante toda a noite sentiu, de olhos fechados e ás escuras, o olho alheio com os dedos, com a palma da mão, com o céu da boca, com todo o seu corpo.