1991

Estava de viagem pelo deserto em turismo e acabei por repousar numa pousada, que fora indicada por uma criança que brincava na rua. Enquanto esperava para sair, quando a temperatura fosse mais baixa, preparei uma toalha molhada para colocar na fronte, coloquei um copo de água gelada na cabeceira da cama, despi a roupa deixando a camisa branca e liguei o rádio. Deitei-me então, tendo o cuidado de acomodar a minha cabeça no travesseiro cilíndrico e imaculado, e fechei os olhos. Estava relaxado a ouvir o som indefinido do rádio e só aos poucos me aventurei a prestar-lhe um pouco mais de atenção.
“Houve uma mudança na programação” - anunciou uma voz feminina que deu lugar a um locutor que se apresentou como sendo o Samuel. A sua voz era grave, falava pausadamente e manteve-se segura até ao final. Samuel começou por dizer: “Gravei uma K7 em 1991 que ninguém ouviu, continha canções originais compostas por mim”. De seguida ouviram-se vozes, uma discussão e depois instalou-se silêncio. Tentei adormecer, mas a temperatura não baixou, subiu e eu senti-me descontrolado, um pouco nervoso. Samuel voltou à emissão. “ Chamo-me Samuel, gravei uma K7 em 1991 e todas as canções eram de minha autoria…sou…”. “Samuel” - pensei intensamente -“ Samuel, eu sou Samuel.” Incapaz de saber o que fazer com a informação que acabava de receber voltei-me para o outro lado.