Cruzeiro

Um corpo deu à costa ontem de madrugada arrastado pelos tentáculos espessos das algas.
Quando foi resgatado, ainda se podia ver ao longe o cruzeiro onde viajava.
Era um jovem, que aparentava trinta e cinco anos. No bolso do casaco foi encontrada uma carta de jogar e um maço volumoso de notas. A autopsia revelou marcas de cigarros na língua e nos braços.
A policia concluiu o relatório e deu por encerrado o processo culpando um outro jovem da mesma idade que acompanhava a vitima. A investigação independente acrescenta ao relatório uma possível associação de dados: a embriaguez e o jogo fizeram-no perder o juízo, acreditando no azar da carta que lhe saiu acendeu um cigarro, queimando-se, saltou para a piscina, na qual, sem que ninguém entendesse como, afogou-se. A tripulação e principalmente o responsável pela embarcação, sentiram-se todos culpados e em conjunto deitaram-no ao mar para que parecesse um acidente.

Mais tarde, o jovem acompanhante faz novo depoimento perante a lei.
Ele afirmou não conhecer sequer a pessoa que morreu, apenas lhe emprestou dinheiro para jogar e para lhe fazer companhia por uns instantes no bar do cruzeiro. Algumas bebidas mais tarde a vitima caiu imóvel, pálido, e todos os turistas que por ali estavam, tentaram reanimá-lo queimando-o com cigarros debaixo da língua e nos braços. Como não resultou meteram-no na piscina. A morte dera-se no bar, logo no início da noite. Foram os sentimentos de culpa que os levaram a atirá-lo ao mar. Não poderiam viver com o seu falhanço, nem com a sua mortalidade, tão perto.