Sócrates

A noite passada dormi na rua da minha cidade. Tem estado um tempo primaveril por isso não foi difícil defender-me da temperatura nocturna. É durante a noite que os factos se tornam mitos. A noite passada jantei com o cigano e vagueando pela cidade encontrei uma prostituta velha e cheia de rugas que é pretendida por todos os homens, mesmo os que têm quem querem. A fada dos dentes apareceu quando já me deitava, à entrada da estação de metro, a perguntar se precisava de alguma coisa. Disse-lhe que tinha uma dentadura saudável. Foi muito simpática quando se despediu-se e logo desapareceu. Ali, à entrada da estação, passavam de vez em quando, enquanto estava deitado, animais que nunca tinha visto antes. A certa altura, um extra terrestre acordou-me e pediu-me lume, estava disfarçado de pessoa humana mas, como concerteza tinha saído de casa à pressa, a máscara estava mal colocada.
Já a nascer o dia acordei com o guarda a abrir o portão da estação do metro, já podia voltar para minha casa. O homem era barbudo e parecia o Sócrates representado nas esculturas do museu, o filósofo, cuja filosofia é conhecida pelas palavras dos outros. Não sei se era ou não mas lá me sentei com ele a conversar sobre cada vida e cada época e eu contei-lhe esta minha noite em que dei de caras com o lado real dos mitos que pairam sobre a cidade onde vivemos.
Ele convidou-me para uma festa com uns amigos quando saísse do trabalho onde continuariamos a conversar e onde poderiamos nos lavar, beber e comer. Eu disse que sim.
Cá estou eu e lá ver o Sócrates ao meu encontro. Estive aqui umas horas à entrada do metro onde não passou ninguém. Com isto tudo acabei por me esquecer do caminho para casa.