Porta

Era uma sala em silêncio que acordou com o som composto do martelar do relógio, do metal dos talheres a bater, do barro dos pratos, do cristal dos copos e garrafas, ao qual se juntou o som dos sapatos, do roçar dos tecidos finos dos vestidos, o tacão dos sapatos, o metal dos brincos compridos, das pulseiras e dos colares, e por fim as vozes, agudas, graves, femininas, masculinas, de crianças, de adultos, de jovens, de especialistas em ter a voz colocada, de constipados, de ...enfim.

Daí a pouco ouviu-se uma campainha, uma corrida de um par de sapatos de senhora que usa sapatos de tacão ainda com dificuldade, o rodar de uma maçaneta, o ranger de uma porta, a troca de beijos, o abraço comprido, risos e um caminhar a dois. Este devia ser o visitante esperado. Todos os outros se levantaram e bateram palmas. Eram tão energéticas, tão fortes que o som formou uma textura que parecia chuva – cada mão uma gota a cair e a encontrar uma superfície.

Da roupa do visitante ouve-se o roçar de um casaco de fazenda com as calças de uma mistura de algodão – deve ter tirado o chapéu e ter retribuído com uma vénia. Qualquer gesto se seguiu que despertou o riso até à gargalhado dos outros.

Iniciou-se a festa que acabou no outro dia de manhã. Foi quando por trás da porta voltei a ouvir sons familiares: um bocejo e os ossos dos braços a ranger ao serem esticados para se livrarem da preguiça.