Água

“Tudo o que é puro a água aceita, o que é mau a água rejeita”

Este princípio foi válido por muito tempo para se distinguissem as bruxas das mulheres sábias e os ovos bons dos pobres.

Ora, um navio também podia estar abrangido por esta lei. Pensou assim o capitão que o pôs no mar sem o testar devidamente. Comunicou à tripulação que a segurança não estaria comprometida. Um marinheiro dos mais novos confessou que estava com medo, que o navio estava mal ensebado, que lhe parecia que ia entrar água e que a ancora não tinha peso suficiente. O capitão nem ouviu metade, pois estava mais preocupado com o papagaio que tinha as penas pálidas.

Meteram-se em viagem, dentro da água salgada e com uma trajectória muito complexa, para comercializar bebidas e cobertores com um continente antigo. Percorridas algumas milhas e avistando-se ainda terra, a embarcação emerge na água. Voltam à superfície os corpos, que se levantam como se as águas do mar fossem os lençóis desarrumados da cama, e se põem a caminhar.

O capitão caminha ainda com o papagaio, ainda mais pálido e até um pouco azul. Este pergunta-lhe o que terá acontecido na sua opinião. A que ele responde: “não entendo, o navio era do demónio mas não flutuou - ainda bem que nos livramos dele”.