Náuseas da memória

Aprendeu a viver com a memória bastante debilitada. Saia de casa sem as chaves, esquecia-se de pagar a conta do café, deixava a porta do carro aberto, enfim, uma lista de ocorrências que lhe sucediam com grande regularidade. Aconselhou-se junto de alguns amigos que lhe disseram que era normal – “isso acontece a todos, por igual e sem excepções!”. Mas um dia, considerando que já tinha uma certa idade, decidiu consultar um médico para lhe falar de certos lapsos de memória, no meio de outros queixumes. O médico após examiná-lo confirmou que a sua saúde era perfeita. No entanto, caso se achasse mais esquecido que o normal, que tomasse uma ampola das que iam referidas na receita médica. Das ampolas nunca mais se interessou, mas ao ler um jornal diário ficou a saber que estavam a fazer um teste a um novo método de estimular as células a funcionarem no processamento da memória e logo se voluntariou. Depois do simples procedimento a que se sujeitou, achou-se melhor, tudo lhe aparecia na imaginação com naturalidade, com grande definição, com detalhes, a cores...aliás, como se tudo o que viveu fosse acontecer agora. Não tardou a segurar-se na parede formada de tijolos e a vomitar tudo o que continha no estômago. Tornou-se amargo, desconfiado, feio com uma cara desgostosa com tudo o que existia. Sabia que estava desequilibrado e para compensar soube logo o que podia fazer ou “cortar com esta memória aguçada ou fugir para um sítio onde a relação com os humanos seja doce”. Assim o fez.