Pertença ao inútil

Todos os habitantes da aldeia têm direito, num dia das suas vidas, visitar o oráculo. O oráculo é consultado somente pelos membros governantes e para fins de estado. O local encontra-se para além da entrada da gruta na montanha, numa sala coberta de ouro nunca recolhido pelos caçadores de preciosidades. Uma vez por cada habitante, portanto, este oráculo, a que se reservam premonições fabulosas, pode ser consultado para fins pessoais. Foi no dia do seu quadragésimo aniversário que M. o foi consultar. Não tinha consigo uma pergunta, achava somente que estava na hora. A sua vida era dura e poderia nunca o consultar se esperasse a grande pergunta que colocaria ao oráculo. Lavou-se e vestiu-se, como se faz, em qualquer cultura, quando se trata de uma celebração ou de um dia especial, e dirigiu-se à montanha. Não voltou a ser visto na aldeia. Nesse ano o inverno foi duro, muitos morreram de fome e o oráculo foi visitado por homens perdidos por saber o rumo a dar à aldeia.
M. não sabia da fome. O ouro, na sua pureza, na sua inutilidade, pela incapacidade de troca ou de utilização, tinha o encantado.