Plástico

Desenha flores todos os dias, a começar à mesma hora, em todas as estações do ano, com intervalos frequentes para comer uma maçã, rabiscar um recado, fazer um telefonema ou olhar as mutações das nuvens no céu. Ainda não pode sair do quarto. Porque se saísse tinha um desgosto ao ver que as flores que desenha não existem.

Ao contrário do que se desconfiaria ela não acredita na imaginação – isso é coisa dos tolos. Ela apenas concebe a existência da realidade e esta tem, para ela, flores que podem ser desenhadas. E ela desenha-as com fidelidade a partir do seu quarto. Ela diz conhecer todos os pêlos dos caules das flores, os veios principais e toda a circulação, diz que não lhe escapam as configurações exteriores e a morfologia interna, que sabe bem como se reproduzem e que não é nada ingénua nesta matéria. Nenhuma informação lhe escapa e quase se poderá pensar que engoliu um herbário. Os desenhos são provas disso: sublinha tudo a preto puxado para convencer toda a gente que só tem certezas na sua cabeça – e nada de ilusões.

As únicas flores que não existem são as de plástico que estão em cima da mesa de cabeceira e as únicas que ela vê.